4 de maio de 2008

O tempo em que eu tinha saudade de ter saudade

Há dias em que eu paro e lembro.

Dos tempos de criança, do tempo em que a saudade era apenas uma palavra, algo vago demais, incompreensível. Eu não sentia falta de ninguém. Quem morria, ia para o céu, pronto, acabou. Simples demais. Quem estava longe, um dia iria voltar, e se não voltou, nunca me lembrei. Simples demais.

Tenho saudade da simplicidade das coisas, tão fáceis de resolver. Dos problemas. Se é que eram problemas. Saudade de ser criança, de ter criança por dentro. De achar que crescer era bom, que seria um adulto aos dez. Ainda me lembro duma tarde, eu em pé na madeirinha do balanço, olhava o horizonte, achava que tudo era belo a não ser o monstro do meu armário. O monstro do meu armário. Que me tirou o sono tantas noites. Que me tirou o vício de dormir e a necessidade. Que me fez crescer e me fez achar valente quando ele deixou de existir.

Tenho saudade do meu monstro e do meu guarda-roupa. Da minha roupa também. Do meu terninho colorido, ridículo por sinal, mas meu terninho. Meu sapato, meu pisca-pisca em forma de sapato.

Tristeza era apenas tristeza, apenas o brinquedo não comprado, o passeio não feito, a armadilha do colega. As armadilhas. Ir à luta! Vamos caçar borboletas hoje, Tom. Sentir que eu era ao menos um pouco mais forte. Que as borboletas e mariposas temiam a mim. Golpeava o ar, sorriso no rosto. Ventava. Cada detalhe das asas de certa borboleta, me lembro bem. Era azul, rajada de branco, detalhes verdes. É impressionante o jeito que tomamos gosto pela beleza, desde cedo.

Aprendi a admirar o que é belo, a admirar minha borboleta e a não caçá-la. Aprendi a não ter e aprendi a sentir falta.

A sentir falta.

E saudade.

E a ter saudade de quando saudade era apenas uma palavra.

Do tempo em que eu tinha saudade de ter saudade.