22 de junho de 2009

Notícia dum deixar de viver

Os gritos eu vi e ouvi, nítidos e arrepiantes
Suplicavam pelo não ou pela incerteza
Pediam pela carência do fato consumado
Ou pela incapacidade de escutar
Eram vivos e soavam numa muito alta nota
Se podia sentir de longe;
Em tal ora, todo longe era perto.

O semblante eu vi e toquei, trêmulo e úmido
Tinha tanta e tão pouca vida
Tinha fé no engano dos outros sentidos
Incrédulo pedia a mim pela mentira
Mas não pudera eu dizer o contrário
A realidade era gritantemente ensurdecedora;
Em tal ora, ninguém poderia.

Os olhos eu vi e me assustei, estavam inchados
Todo branco fora consumido
Muito vermelho se fazia presente
Jorravam água porque sangue não poderiam
Choravam tanto... e como...
Perdiam-se em lágrimas que lhe tiravam a visão;
Em tal ora, tanta lágrima é pouca.

O coração eu senti, pulsante e descontrolado
Não sabia para onde saltar embora parecesse
concluir sempre nunca haver destino certo
O limite não era mais a carne
Porque carne já não mais significava como antes.
Não obstante, queria sangrar... tanto... e como...;
Em tal ora, não há limites.

Qualquer palavra ou conjunto delas são incapazes de traduzir
Os ápices dos sentidos todos juntos
Os ecos deixados por vozes reminiscentes
Os gestos que vertem do ar em sua direção
O gosto daquele café com pouco pó e muito açúcar
A falta que nunca será preenchida.
Por muito ainda vi e vejo a incerteza — porque menos machuca.

15 de junho de 2009

Fim

Eu quero me isolar de todo mundo, me trancar numa caixinha de música e não ver mais ninguém. Não ver mais os rostos sorrindo, os semblantes carismáticos, os convites à alegria fingida. Não quero mais ver ninguém, não quero mais espelhos. Não quero mais ter que olhar para mim, para dentro de mim e ver o que sou. Eu prefiro não acreditar que sou o que sou, e como sou; que sou como eles todos — eu prefiro não saber, ou fingir não saber, e então estarei sendo como eles. Qual é a fuga mais viável dessa natureza pérfida que ainda enaltece os corações orgulhosos? Não quero ter de ouvir minha voz soar nenhuma vez. Não quero erguer as notas, atingir os tons, não. Dentro da minha caixinha o único som a ser ouvido deve ser o silêncio, nada mais que o silêncio. Que seja ele o disco mais tocado e que nunca haja pausa em sua execução. Eu não quero as cores. Nada mais justo que não deixar que entre luz. A luz cega. Também as cores. Não quero um mundo colorido porque as cores mentem. O céu nem o mar são azuis. Se esperar anoitecer, nem o céu nem o mar são azuis. Há sim muito que existe no claro que não existe no escuro: as cores. As cores frustram. A escuridão é a realidade porque é independente. A escuridão é livre, a claridade necessita que haja escuridão para existir. A escuridão é o estado básico. É como começou e como vai terminar, ainda que tantos intervalos de luz existam. Eu quero o silêncio e a escuridão. Não quero ninguém. A única pessoa dentro da caixinha que deve existir sou eu, sem direito a reflexos. Meu próprio retrato me causa repulsa. Eu não quero ser um deles, eu quero fugir da identidade de todos, da minha própria. Sou mesmo o que sou? Já não sei mais. Tenho estado tão sôfrego. Não quero ter movimentos, nem ter de me tocar. Causa-me tamanha aversão. Prefiro me manter o mais longe de mim possível. Eu quero sentir os gostos da matéria do princípio, tentar resgatar minhas origens perdidas há tanto tempo. Tentar começar pelo fim, e fazer bom começo. Estou ávido por ser; como ser, quem? Quem? Ser como? Quero provar dos não-saberes de todos que agora tem ar em seus pulmões. Eu quero provar do fim. Eu não sei para onde foram todos. Tudo o que vejo são marionetes. Não quero as linhas, nem o controle, nem ser controlado. Eu sou repulsivo a ambos os ânimos. Quero o princípio. O princípio começa onde acabam os finais. Que toque o silêncio e seja vista a escuridão.
E que assim seja.
Eu quero viver. Que o princípio seja o fim.

11 de junho de 2009

Conversas com coração

Para onde eu devo me orientar? Não vejo um só Norte, há vários deles, e são todos tão diferentes. O ponteiro gira trêmulo, inconstante. São tantos os caminhos a seguir. Qual será o certo? Há mesmo algum? Não posso me deixar guiar pelo desconhecido ainda que seja melhor que o incorreto conhecido. A incerteza é tantas vezes melhor que a certeza incorreta? Os passos serão difíceis em qualquer um. É melhor não acreditar saber qualquer coisa sobre qualquer chão. As armadilhas estão em todos eles. E para lá, fará chuva ou sol? Mas, isso muda alguma coisa? Talvez seja melhor eu me concentrar na estrada. Não sei se é tão bom estar distante... distante é sempre mais perto do fim? Mas a vida é um ciclo, não? Então qualquer distância é perto do fim. No centro fico próximo de todos os fins, mas... fico parado. Eu quero encontrar. Qual é a estrada das respostas, qual? Não há? Respostas ou estrada? Se não há caminho não há fim nem respostas, mas se não há respostas, há um grande caminho? Mas não é um grande ciclo? Quero seguir o que quer que seja. Eu preciso seguir, eu preciso me orientar. Mas por onde? Por qual? Por quem? Por quê? Não posso simplesmente seguí-lo? Acho que não me importo com os obstáculos. Mas vou me machucar muito? Tanto assim? Qual é o caminho, então? Onde é a saída? Todas as portas parecem a mesma, juro. A vermelha? Nossa, mas parece tão perigosa. Ok. Porque estão cometendo suicídio? O que está faltando? Pra todas elas? Por que diz que são felizes assim? Eu duvido. Amor? Eu diria o contrário. É tudo tão hostil. Necessário? Não acho. Acho que não vou aceitar o seu convite, não quero ser o próximo se suicidando. Como? Não me diga isso, nem por brincadeira! Perdeu as chaves? Onde? Estamos presos mesmo? O que faço com você? Na verdade, o que vai fazer comigo? Eu quero ser livre.
— Não há liberdade aqui. Amar é tudo. Você me deixou guiá-lo. O retorno não existe.