23 de junho de 2008

Eu e o avião, primeiro round


— Por favor, acalme-se.

Ficou difícil. Nem me deu atenção. A mulher ao meu lado rezava para uma dezena de santos ao mesmo tempo. Desde a Ifigênia até o Longuinho. Daquela forma ela deixaria todos os passageiros amedrontados e ansiando por uma palavra apaziguadora vinda da Cabine de Comando. Mulheres, sempre tão supersticiosas. Pronto... Começaram as trepidações – turbulências, segundo a aeromoça. Agora ela enfartaria de vez.

— Senhores, não há nenhum problema técnico. Estamos apenas passando por uma breve turbulência, pousaremos em instantes.

Só piorou as coisas. Tocar nesses assuntos, nessas horas, é como estar com o bisturi na mão e dizer ao paciente “calma, senhor, o corte é superficial, tem apenas uns centímetros de profundidade”. Durante cinco minutos, o rosto da senhora atingira umas três tonalidades distintas. Lembrava-me um camaleão, destes malandros que vivem da camuflagem.

Um apito agudo e incessante soou como quem pede socorro. Máscaras de ar caíram à nossa frente agressivas, por pouco nas nossas cabeças. Agora o pânico era total. Admito: estava me borrando as calças também. O avião entrara em state of emergency, pelo menos era o que o letreiro indicava. Da minha poltrona, ouvia gritos de passageiros tomados por um acesso de raiva, uma raiva de acesso ao céu. “Aeromoça, o que há?”; “eu tenho sete fil...”; “isso aqui vai cair...”; “vou processar vocês...”; “meu dinheiro de vol...”; “estou novo para morr...”. A gritaria foi tanta que até me esqueci do que estava acontecendo. As luzes pararam de clarear nossos rostos. As mulheres pararam de gritar, também os homens. As cores deixaram de existir. Acho que me esqueci também de sentir meu corpo.

Silêncio total.

— Senhor, acorde. Já chegamos a Lisboa.

Abri os olhos, um braço estava me chacoalhando o ombro.
Levantei, olhei à minha volta: eu e a mulher do sonho éramos os únicos ainda na aeronave. Caminhamos pelo estreito corredor até a escada que descemos sem fazer rodeios. Já no aeroporto, decidi bebericar um café para ver se me levantava.

Vou tratar de curar minha aerofobia.

20 de junho de 2008

Os sóis não são mais como os de antigamente

Minhas roupas
penduradas
a secar
e
minha água
esperando
dissipar,
permanecem
ilibadas.

Nenhum sol
grita em nome
fala em nome
brilha em nome
de ninguém.

Minha chuva
esperando
a cair
e
minhas botas
procurando
afundar,
desistiram
de fazer.

Nenhum sol
canta em nome
ora em nome
seca em nome
de ninguém.

Por todo canto
ligam velas
e lanternas.

Lá, no céu
um losango
de papel
que só quem
tem a linha
desafia.

Brilha aqui
nenhum sol.

Brilha falta
de pessoas
motivadas
a viver.

Destinadas
para serem
nada mais
que vegetais
a lutarem
por um sol
que não é
mais como
um dia foi.

16 de junho de 2008

Tonight in flames


Daqui de longe, vejo a noite chegar antes. Vejo as folhas caírem primeiro; o frio. Daqui de longe eu vejo o asfalto e os paralelepípedos, telhas e construção. Vejo a neblina que cobre a cidade, o verde e o que foi verde um dia. Daqui eu vejo o céu e o sol que não ilumina. O luar que adentra minha janela antes. A solidão que adentra meu coração, antes. Daqui de longe vejo pessoas, vejo centenas; por todo lado. E dentre todas essas pessoas, não vi sequer um amigo. Queria poder ver vocês.