6 de abril de 2010

maquinista de minha rotina
pouco percebo as horas
como se todas fossem uma só
e já me houvesse habituado
a vê-las passar maquinalmente
as horas se vão frias
inaudíveis entre o caos
do barulho das rodas
cruéis faiscando
pelo vidro amigos
amantes inimigos
se vão resolutos
como horas que passam
e sóis se deitam
e rodas faíscam
a vida passa
e eu nunca parei para ver


Thomaz Campacci

Coágulo

Deito-me no coágulo resultante
de uma noite que sangrara
através do corte pungente.

A cabeça afundo um pouco
sob o espumado oco
o sangue seco anoitecido.

Conforme no espumado coagulado
o corpo relaxando
mais para o corte vou indo.

Nas feridas eu confio
como se estivessem cicatrizadas
(e se vão abrindo cada vez mais).

Thomaz Campacci

3 de março de 2010

Como se faz um vilão

E como se fosse uma semente sabendo que deve ser flor, e que deve crescer, fui dormir humano e acordei vilão. Há algo nos vilões que certamente os distancia dos outros, como a habilidade de lidar com eles à distância, tratando-os por artifícios de manobra. O vilão diferencia-se do herói basicamente por uma coisa: o vilão é egoísta. Quando altruísta, vira herói, já que suas intenções, por mais cruéis que possam parecer, tendem às intenções de alguns outros. Mesmo não intencionando, como a semente, transcender a terra e ascender sobre o solo fértil, certo dia acordei no consulado de um país que não existia e que eu jamais intencionara visitar, porque de certa forma havia um contentamento e não havia necessidade de troca. Meu primeiro dia como vilão está perdido num calendário acelerado, já que numa pirouette certeira e não consciente, eu haveria de ser vilão.

Contudo, nunca houve uma escola de vilões, como parece haver a cada esquina um colégio para heróis e bons-moços. Aprende-se sozinho, consigo mesmo, por necessidade evidente ou não.
Acordara para a vilania, provavelmente no meio do processo de aprendizado. Não é fácil ser vilão.

Dotado do egoísmo escapando pelas entranhas, soçobrando no interior, eu sentia que um passo havia sido conquistado. O egoísmo é o que há de mais sincero querendo libertar-se cotidianamente, de forma que os egoístas são inconscientemente sinceros para com eles mesmos. Houve comigo uma abrupta substituição dos valores, que até então julgara terem um mínimo intento altruísta, por uma ótica egocêntrica do mundo, como se todo reflexo fosse nenhum outro se não o meu, independendo de onde estivesse o espelho. Já nada significava meu pseudo-heroísmo como semente, o simples fato de ele ser substituído pelo que quer que fosse o negaria dali em diante como se não houvesse nunca existido nem intencionado.

Nascia, em mim, um vilão.

[...]


Thomaz Campacci