23 de agosto de 2009

Felicidade falsa

Por algumas vezes preferi acreditar, esperando que a fantasia se tornasse real e não se tornou. Sorri e não me cansei, ou estivera sempre tão cansado que não percebi. A concretização de certos fatos somente abriram brechas para a não-concretização de outros que eu estimava serem perigosos e não eram. Mas eu ria por tornar, ainda que ilusoriamente, algo real; por poder dar a luz a um conto perfeito e inacabado — o que não começa não termina. Me sentia bem, e não mentia ao sentir, mas admito acomodar-me à facilidade do sentimento. Eu tinha nas mãos artifícios para fazer do mais tristonho sorridente, mas minha própria tristeza seria saciada por aquele único toque, por outra presença. Eu sorri e chorei por sorrir e por mentir que sorria. Não estava tudo bem. Feliz pudera ter sido se não fosse muito o pedido da felicidade de ser real. Felicidade falsa era mais que uma aliteração qualquer. E eu sempre soube.

Thomaz Campacci

O surto

Eu fecho os olhos para abrir portas para dentro de mim
os caminhos escuros logo recebem claridade suficiente
para que se possa andar sobre eles sem grandes vacilos
tantas portas se abrem e se fecham enquanto caminho
há tantos corpos sem semblantes e tantos semblantes sem expressões
existem tantos significados que não significam
ou que tanto significaram que já agora são tão crus
as luzes se acendem e se apagam porque há ainda pouco
esqueceram se são melhores acesas ou apagadas
alguns vultos correm depressa fugindo ao meu tato
os gritos ensurdecedores vão e voltam
driblam meus ouvidos na tentativa de se manterem longe
porque não sabem que tão perto estão porque são parte
meu paladar se esquece de tudo que já sentiu
gostos agora são gestos mal feitos por corpos sem movimentos
mesmo que todos esses corpos sejam outros de mim
tudo gira num inconsciente inconsciente da sua inconsciência
o desconhecido clama por alguém e a resposta quem dá sou eu
há vários quartos com portas fechadas que eu tento abrir
e muitas passagens livres que o destino é nenhum outro senão
quartos de portas fechadas que eu já tentara em abrir em vão
os rostos que me olham quando sorriem me machucam
e quando choram fazem-me rir loucamente como não deveria
eu busco por entre as fendas imagens que me respondam
eu busco dentro de mim meu eu e acabo me desencontrando cada vez que me encontro

estou à beira da loucura.


Thomaz Campacci

14 de agosto de 2009

Ensaio sobre as faces do ser na identidade

Ainda que os tantos outros de mim fossem meus como eu sou deles, não haveria coexistência. Cada outro é ainda mais subjetivo e egoísta, nunca soube dividir o palco. O controle escapa pelos dedos quando perambulo por eles todos pra tentar não sê-los. Nos pontos onde não falham as tentativas é que posso me ver nu; sem roupa, sem pele, sem capa; sem mim; sem graça. Pois não consigo viver sem vestimenta em tão baixas temperaturas com agravante permanência. Não há ainda artigo que obrigue a qualquer um ser o mesmo todo o tempo. Não tratemos por patologia a liberdade de nossos alteregos, pois a loucura escondida em dado momento virá à tona cedo ou tarde, no mesmo corpo. Decreto por livre meus fantasmas antes para que não me pressionem depois. Não há como esconder de si algo que lhe pertence. A mentira existe pra ser dita, não para tornar-se verdade. Portanto, não se deve impedir que nossos outros entrem e saiam de cena, o tempo todo, quando quiserem. Impossibilitar seus personagens de agir é admitir ser incapaz, covarde. É confessar dia após dia, passo-a-passo, que se mata — e que se orgulha disto.

Thomaz Campacci

1 de agosto de 2009

Comédia

Se tu soubesses sobre a dor, não brincarias tanto com o fogo.
Evitarias ao máximo uma chama, e chamá-la de amor.
Saberias sobre errar, pois já terias ardido só.
Se tu soubesses sobre amar, saberias sobre as cinzas.
O vento que as varre; o tempo que as mantêm.
Quando se apaga o fogo, vai-se uma parte de tu que vive.
E o que resta é poeira, é vontade, é solidão, é desespero.
O que resta é pouco.
É comédia.

Thomaz Campacci