31 de janeiro de 2010

Cruzamento

Anoitecia minha vontade
de ter um pedaço teu
em qualquer lado da rua.
Já que a graça era sem-graça
também tudo era tão áspero
também tudo machucava
a distância quase-tudo
em qualquer lado da rua
em qualquer noite sem lua
eu sem um pedaço teu.

Seguia-te até tua casa
pela madrugada fria
como se assim me aquecesse
pudesse te perder menos.
Mas eu voltava sozinho
do mesmo lado da rua
na mesma noite sem lua
por ruas desabitadas:
a rua desabitada
onde teu coração mora.

E chorava pelos cantos
pois a noite era arriscada.
Mas não por isso eu chorava
era só por não te ter.
A vontade anoitecia.

Corria tantos perigos
sozinho em noite sem lua
em qualquer lado da rua
na rua desabitada
que mora teu coração.

Sem natureza pra ver
nem luar para eu olhar
ou um pedaço pra ter.
Eram só as ruas nuas
como um palco sem platéia:

só que o palco sem platéia
em verdade é minha rua.
Pois acontece que as nossas
em noite com ou sem lua
serão sempre paralelas.

Thomaz Campacci

Outrora quando eu ainda não havia matado as cores

também descolori o miosótis
que era azul
como o céu havia sido outrora
quando me felicitava
vendo as nuvens
descoloridas-desde-sempre
que naqueles dias contrastavam
porque tudo não era tão branco
porque as andorinhas
não pousavam num fio vazio
e a grama era verde
como eram os musgos
úmidos de água que fora azul
a qual outrora
eu embebedara o miosótis

Thomaz Campacci